quem perde é o Barreiro!<br>Com a CDU sem pelouros
O presidente da Câmara Municipal do Barreiro, o socialista Emílio Xavier, a 30 de Dezembro de 2002, retirou os pelouros que tinha atribuído a três dos quatro vereadores da CDU, invocando o facto de terem votado contra o Plano de Actividades e Orçamento de 2003. Em entrevista ao Avante!, José Caetano e Joaquim Matias denunciaram a incapacidade que a actual gestão PS tem para gerir posições contrárias, assim como a insuficiência no exercício da democracia do presidente eleito.
«O Barreiro será no futuro uma cidade pequena, sustentada, com actividade económica, com emprego, maior qualidade de vida, mantendo a sua cultura e tradição ou vai ser apenas um dormitório?»
- Os vereadores da CDU na Câmara Municipal do Barreiro foram informados que lhes iriam ser retirados os pelouros que assumiam. Como é que lhes foi comunicada a vossa exclusão?
Joaquim Matias - É bom que se diga que fomos informados pelo próprio presidente. Convocou-nos para uma reunião de trabalho no dia 30 de Dezembro, onde nos disse que iríamos deixar de exercer os pelouros. No entanto, já tinha feito o despacho no dia 26 de Dezembro, quatro dias antes.
- Qual a justificação do presidente para tal medida?JM -
Não houve justificação. Como se sabe, a competência para distribuir e atribuir pelouros é do presidente da autarquia. A sua justificação, não estando em causa o desempenho dos vereadores da CDU, foi meramente política, uma vez que não tínhamos aprovado o Orçamento para 2003. Ou seja, o actual presidente da Câmara Municipal do Barreiro entendeu que não estaríamos em condições de participar no projecto da autarquia, que seria o dele.
José Caetano - O PS ao longo destes 27 anos sempre utilizou, na sua campanha contra a CDU e contra o PCP, deturpações e mentiras contra o nosso funcionamento e a nossa forma de estar, na vida e na política.
Querem fazer acreditar que somos antidemocráticos e que impomos a nossa opinião aos outros. Mas a verdade é como o azeite, vem sempre a cima, e durante estes anos de maioria na Câmara Municipal do Barreiro sempre distribuímos pelouros por todas as forças políticas. Nunca a CDU e o PCP assumiram medidas de retaliação pelo facto de os outros terem a sua opinião.
Esta é a grande a diferença entre a CDU e o PS. Construímos a gestão autárquica de forma participada, envolvendo todas as forças políticas, decidindo com a opinião dos outros. Para além de não ter projectos para o concelho, o PS ainda nos impede de emitir a nossa opinião. É antidemocrático na gestão da Câmara do Barreiro e fez uma coligação com o PSD para gerir os próximos três anos.
- Entretanto, de 21 de Janeiro de 2002 a 30 de Dezembro, os vereadores da CDU desempenharam os seus cargos. Como é que se desenrolou o trabalho autárquico entre entre as duas forças políticas?
JM - Temos que ver isso a vários planos. Uma coisa é o pelouro que cada vereador exercia, e no meu caso, no pelouro dos Transportes, o presidente não interferiu em nada.
De qualquer modo, o presidente procurou criar dificuldades à nossa actuação. Ao nível das vereações não fez as descentralizações de competência que devia ter feito. Por outro lado, manteve estas competências do seu ponto de vista.
Mas o tiro saiu-lhe pela colatra. No caso do pelouro dos Transportes, que funcionam como uma empresa, que produzia transportes com qualidade, quando era preciso pagar o IRS, as finanças, ou outros aspectos burocráticos, o presidente atrasava e criava empecilhos aos serviços e ao seu próprio funcionamento.
Outra das dificuldades criada foi a nomeação, nos termos da lei, de apoios administrativos. No meu caso pessoal, tive direito a um secretário a partir de Junho e apoio administrativo a partir de Outubro.
Importa ainda dizer que a retirada de pelouros à CDU não tem justificação. A atribuição de pelouros foi sempre de má fé, com o intuito de construir uma imagem que não era a real, que era um funcionamento democrático e participado. Há ainda a questão de haver quatro vereadores da CDU e um deles nunca ter tido pelouro atribuído. Era uma situação que configurava uma tentativa de ruptura, mas da nossa parte, sempre tivemos como objectivo fazer o melhor possível para a população, com os meios disponíveis.
Entretanto, e com o nosso afastamento, parece que o PS está a preparar profundas alterações no concelho, nas quais não querem que a CDU participe ou divulgue a sua opinião.
- E que alterações são essas?
JM - Por exemplo, a organização dos serviços - um projecto que a CDU votou contra - pretende a partidarização dos serviços camarários. Promover a especulação imobiliária no Barreiro é outra das pretensões da autarquia do PS. Pretendem acabar com a única zona de actividade económica do concelho, a zona industrial da Quimiparque.
Há ainda uma coisa que é importante destacar: o orçamento de 2003 não foi discutido, mas sim apresentado. Não foi dada a oportunidade à CDU de dar a sua contribuição para o enriquecimento deste orçamento. Mais, quando levantámos dúvidas sobre a actividade cultural do concelho, foi dito pelo próprio vereador: «Eu não tenho que dizer qual a política do meu pelouro, se quiserem saber alguma coisa falem com o presidente».
Entretanto, a CDU, quer na Câmara Municipal, quer junto da comunicação social, apontou quais as questões com as quais não concordava, e elas resumem-se a quatro situações. Primeiro foi o agravar das despesas correntes em relação às receitas. E porque é que isto agrava? Porque o PS em vez de privilegiar a organização dos serviços da autarquia, para prestar um exercício de qualidade à população, prefere recorrer a trabalhos no exterior, pagando pontualmente a empresas que resolvem problemas banais, mas que não têm uma qualidade permanente.
A segunda questão é que o orçamento utiliza toda a verba de empréstimos. Com isto, a Câmara chegará ao fim de 2003 e não terá capacidade para fazer mais nada, ou então há obras metidas neste orçamento que não são para fazer.
– E quais são as outras duas?
JM - Este orçamento tem coisas perfeitamente inaceitáveis. Por exemplo, 1,5 milhões de euros de subsídios a clubes e actividades sem qualquer critério. A CDU disse, entretanto, não estar contra o enriquecimento do movimento popular, mas tem que haver um critério, porque está estabelecido um regime de compadrios e tentativas de domesticação do movimento associativo.
Há ainda a não descentralização para as juntas de freguesia. No Barreiro, os trabalhos de conservação e preservação de espaços verdes e de limpeza estão há vários anos descentralizados nas freguesias. A Câmara atribuía, do seu orçamento, um valor por metro quadrado de área para que as freguesia pudessem ter a seu cargo a manutenção desses espaços. Agora o que acontece é que, com as novas urbanizações, entram mais zonas verdes, ruas e passeios para limpar, que neste momento ninguém limpa.
O actual executivo não faz a delegação desses trabalhos para as juntas de freguesia e deixa degradar o concelho, para depois contratar os serviços exteriores, que paga a peso de ouro.
Democraticamente revoltante
- Podemos afirmar que há ilegalidades na Câmara do Barreiro?
JM - Não vamos falar para já em ilegalidades. Haverá falhas na gestão autárquica. Por exemplo, as câmaras delegam competências, ou seja, o presidente da Câmara têm competência para fazer contratos até determinado valor e isto tem sempre a intenção de não prejudicar os trabalhos. A lei diz entretanto que, na sessão de Câmara seguinte, o presidente é obrigado a dar conta desses contratos. Mas o que se verifica no Barreiro é exactamente o contrário.
Por exemplo, foi adjudicado um logotipo para o concelho, apareceram placares publicitários, foram eliminados todos os documentos anteriores, surgiram papéis, ofícios, cartas, blocos, tudo com o novo logotipo. Mas quem fez esse contrato? Nem mesmo os vereadores sabem quem o fez ou como e quando o fez.
Estas práticas configuram uma incapacidade do PS e do presidente da Câmara de conviver com o pluralismo de opiniões e aceitar o confronto de ideias e a discussão dos problemas.
JC – Mas há razões para termos dúvidas quanto à forma como a gestão está a ser feita. Neste exemplo, a Câmara Municipal do Barreiro tinha um serviços de reprografia, técnicos qualificados para produzir todo o tipo de materiais, e o que é um facto é que tudo isto foi destruído. Hoje são empresas privadas que estão a fazer este tipo de trabalho.
Por outro lado, há outra questão que se nos afigura preocupante. A comissão da Assembleia Municipal que discute e aborda as questões do urbanismo é composta por elementos do PS e do PSD que, directa ou indirectamente, estão ligados a interesses urbanísticos do concelho. Tudo isto faz-nos ter dúvidas...
Com o secretismo com que as decisões são tomadas nesta Câmara, provavelmente num futuro muito próximo viremos a ser confrontados com actuações deveras difíceis de entender à luz da lei que gere o poder democrático em Portugal.
Podem citar algum caso concreto?
JM - A CDU sempre lutou por um estabelecimento de ensino superior através de contactos com o ministro da Educação e com uma delegação do Instituto Politécnico de Setúbal. Ao fim de vários anos isso foi reconhecido e a escola começou a funcionar. Foi ainda conseguido no Orçamento de Estado uma verba para adquirir um terreno para começar a construir uma nova escola.
A gestão da CDU localizou o novo espaço nos terrenos da actual Quimiparque. O próprio Politécnico concordou com o local, a Quimiparque também e mandou-se fazer um projecto para a sua execução.
A Câmara Municipal entretanto aprovou o loteamento industrial, o que permitiu que a Quimiparque destacasse os lotes e pudesse vender ao Politécnico o terreno onde ele se iria instalar. Ficou tudo preparado, sendo que o loteamento foi aprovado em Março pelo actual executivo.
O assunto foi-se arrastando até que o Instituto Politécnico veio a público, em conferência de imprensa, dizer que já não havia terreno para comprar, e que o Politécnico desistia de fazer as instalações no Barreiro. Ou seja, esta Câmara deixou arrastar este processo até Novembro e afirmou que o loteamento industrial ainda não estava registado na Conservatória, e por isso só haveria a possibilidade de se fazer o Politécnico num outro terreno, que é no meio de uma urbanização onde estava programado um jardim de infância e de uma escola Básica do 1.º, 2.º e 3.º Ciclo.
- Porquê esta falta de «interesse»?
JM- É incompetência a mais deixar arrastar este processo até Novembro. Deixaram perder os 200 mil contos que estavam no Orçamento de Estado para este efeito e prejudicaram a população daquela zona, que tinha uma determinada perspectiva de espaço e desenvolvimento. Hoje, tudo se percebe, há interesses especulativos para aquele espaço.
São 300 hectares de terreno, com quatro quilómetros de zona ribeirinha, e ainda por cima cem por cento público.
Embora o Barreiro seja um concelho muito pequeno, pensar neste território sem um programa, sem ter uma ideia, sem discutir com a população é de facto uma atitude criminosa. O Barreiro será no futuro uma cidade pequena, sustentada, com actividade económica, com emprego, maior qualidade de vida, mantendo a sua cultura e tradição ou vai ser apenas um dormitório?
- Esta história faz lembrar a avidez do PS em ganhar, nomeadamente, a Câmara de Loures, visto ser um território com grande potencial para a especulação imobiliária...
JM - Essa ganância têm dois objectivos. O primeiro é o de proporcionar chorudos negócios ao capital financeiro, pois quem anda metido nestes negócios não são os «patos bravos». Aqui no Barreiro, são os grandes grupos económicos que estão metidos neste negócio. O PS paga assim favores e adiantamentos que foram feitos para os gastos de campanha eleitoral.
Mas há outro ponto não menos importante, que é a política. Em Loures existia indústria, assim como em Vila Franca e na Amadora. Estas concentrações industriais criaram, para além da riqueza do nosso País, uma população com tradição de progresso e com uma consciência política que advém da sua situação. Uma cultura que de facto não interessa ao liberalismo.
Ao transformar o Barreiro em dormitórios, está-se a destruir um núcleo de forte consciencialização, progresso e de tradições democráticas. Não é por acaso que o Barreiro tem mais de cem associações de cultura e recreio.
- Não querendo fazer comparações, como é que a CDU qualifica as promessas eleitorais do PS?
JC - As promessas do PS foram muitas e avulsas, sem projecto de desenvolvimento para o concelho. Em Santo António, por exemplo, prometeram que iriam fazer estradas e arruamentos. Quando ganharam a Câmara, embora só com 300 votos, começaram a tratar os donos daqueles terrenos, na sua maioria trabalhadores, em pé de igualdade com os grandes loteadores, exigindo taxas incomportáveis.
Prometeram uma ETAR, actualmente o projecto continua na mesma. Fizeram a promessa de que iriam reconverter 25 parques infantis, mais uma vez não o fizeram. O único parque que foi devidamente arranjado foi uma obra que era da CDU. As promessas foram muitas, o trabalho concretizado não foi nenhum e a perspectiva não é muito melhor.
JM - Relativamente às águas residuais, outra coisa que teve a nossa oposição, é que o presidente durante a campanha eleitoral teve um discurso, citando a Câmara de Almada, onde dizia que com os fundos da União Europeia já tinha começado as obras. A partir do momento que tomou posse, mudou de discurso, «e para não se gastar dinheiro», o melhor era uma associação com as águas de Portugal, ou seja, criar uma empresa multimunicipal. Isto é caminhar no sentido da privatização do tratamento dos resíduos de tratamento de afluentes.
- Formou-se a ideia, com a ajuda de certos órgãos de comunicação social, que a gestão da CDU era incapaz de resolver os problemas da população do Barreiro. Entretanto, passado um ano de mandato do PS, qual a opinião generalizada da população deste concelho?
JM - Essas reacções tem normalmente um atraso, há sempre o período do benefício da dúvida, de esperar para ver, mas se formos ao Barreiro e perguntar a qualquer pessoas, o que elas irão responder é que não mudou nada, e que nada vai mudar. Mas a tomada de consciência da gravidade das situações é sempre feita com atraso, veja-se o caso de Setúbal.
- Quais serão os próximos passos da CDU na luta contra a má gestão do PS na autarquia?
JC - É um problema que não vai se fácil. De qualquer forma temos a vantagem de ter a organização do PCP que sempre teve uma actuação autónoma e independente do poder autárquico.
O trabalho que estamos a fazer vai no sentido de colocar a estrutura do PCP a tomar posição e uma acção interventiva, activa, do ponto de vista da gestão das autarquias no concelho. Temos que levar os militantes do PCP a participar e a reagir perante a posição da autarquia. Estamos a formar a consciência, também no movimento associativo, de que o PS não tem condições para dirigir esta Câmara e não tem soluções para dar continuidade ao tipo de gestão da CDU.
A gestão do PS
- Em termos de gestão corrente, aumenta o desequilíbrio orçamental que contraria a tendência dos mandatos da CDU;
- As despesas correntes cresceram (1,5 milhões de euros) mais do que as receitas correspondentes (apenas 1,1 milhões de euros) sendo o crescimento das despesas essencialmente devido ao aumento de aquisições de bens e serviços (2,4 milhões de euros) que não representam uma melhoria do serviço, nem mais equipamentos;
- O aumento da aquisição bens e serviços é resultado de uma política que ao invés de utilizar os recursos próprios da autarquia, incluindo os recursos humanos, e estruturar os serviços para responder às necessidades da população, prefere recorrer a trabalhos pontuais efectuados no exterior;
- O desequilibro corrente (3,7 milhões de euros de déficit) vai esgotar parte do resultado do ano anterior, constituído pelas verbas de obras programadas e não executadas ou atrasadas e pelo empréstimo para investimento, o que significa que parte do endividamento do município é consumido no financiamento corrente;
- O investimento mantém em obras (edifícios a construções diversas) um valor equivalente aos últimos anos (11,7 milhões de euros), incluindo 5,2 milhões dependentes de candidatura a fundos comunitários e um valor significativo transitado do anterior mandato (3,7 milhões de euros);
- Não estando acordada ainda com as freguesias e descentralização de verbas, o orçamento não prevê a indispensável transferências para limpeza e conservação de espaços verdes, correspondentes às novas urbanizações entretanto criadas;
- Os subsídios directos a clubes e colectividades, superior a 1,4 milhões de euros, não têm qualquer critério objectivo para a sua atribuição;
- Não são estabelecidos quaisquer critérios referentes às qualidades de prestação de serviços, sendo manifestamente insuficientes as verbas para os pavimentos, rede de água e actividades culturais;
- Nas actividades culturais e educativas, alguns projectos em desenvolvimento pela CDU como o projecto «A Viagem», a «Escola Incluir», o «Moinho de Bites» e a programação da «Casa da Cultura Adubos de Portugal», foram suprimidos sem quaisquer alternativas;
- Nas Grandes Opções do Plano não está prevista a construção de equipamentos nem a tomada de medidas que tenham em conta as reais necessidades e o desenvolvimento do concelho;
- A habitação social foi totalmente suprimida;
- O programa PER passa a contar para o endividamento da autarquia. A aquisição de terrenos e projectos para o PER, ou outros, bem como a manutenção do parque de habitação social existentes, foram suprimidos sem qualquer justificação;
- A recuperação das zonas antigas é completamente ignorada e o programa RECRIA (para a recuperação de imóveis degradados) tem uma verba insignificante (70 mil contos).
- Toda a capacidade de endividamento da autarquia é esgotada em 2003 pressupondo a utilização total do empréstimo para o mandato, o que implica para os anos seguintes elevados déficits sem cobertura e paragem completa do investimento.